segunda-feira, 16 de março de 2009

EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA: “ME DECIFRA OU TE DEVORO”


Leocir Bressan[1]
Ao se tomar ciência e educação em seu desenvolvimento histórico como objeto de estudo, percebe-se como é íntima esta conexão. Pode-se compreender esta estreita relação partindo da análise da evolução estrutural da ciência e educação modernas e seus desdobramentos até nossos dias.
Nossa análise inicial se reporta, por um lado, à formatação da ciência moderna e, por outro, à estruturação da própria educação daquele mesmo contexto. Em seguida, expõe-se uma seqüência de acontecimentos nos mais diversos campos do saber que rompem com essa formatação inicial do pensamento moderno dando origem àquilo que se convencionou chamar a quebra do paradigma da modernidade. Esses acontecimentos podem ser considerados os sintomas mais visíveis de uma mudança que nada mais é do que a chave para a compreensão do nosso mundo contemporâneo. Para tanto, nossa proposta consiste em partir desta reflexão inicial sobre o desenvolvimento de alguns momentos históricos tanto da ciência como da própria educação, pois acreditamos que estes são determinantes e responsáveis pelo modelo de educação vigente em nossos dias. Nosso intento procura debater o modelo de educação atual, mas sem permanecer fechados em seu domínio e sim buscando compreender de que legado somos herdeiros?...
[1] Professor, mestre em Filosofia pela UFSM – Universidade Federal de Santa Maria.

Leocir Bressan[1]
Ao se tomar ciência e educação em seu desenvolvimento histórico como objeto de estudo, percebe-se como é íntima esta conexão. Pode-se compreender esta estreita relação partindo da análise da evolução estrutural da ciência e educação modernas e seus desdobramentos até nossos dias.
Nossa análise inicial se reporta, por um lado, à formatação da ciência moderna e, por outro, à estruturação da própria educação daquele mesmo contexto. Em seguida, expõe-se uma seqüência de acontecimentos nos mais diversos campos do saber que rompem com essa formatação inicial do pensamento moderno dando origem àquilo que se convencionou chamar a quebra do paradigma da modernidade. Esses acontecimentos podem ser considerados os sintomas mais visíveis de uma mudança que nada mais é do que a chave para a compreensão do nosso mundo contemporâneo. Para tanto, nossa proposta consiste em partir desta reflexão inicial sobre o desenvolvimento de alguns momentos históricos tanto da ciência como da própria educação, pois acreditamos que estes são determinantes e responsáveis pelo modelo de educação vigente em nossos dias. Nosso intento procura debater o modelo de educação atual, mas sem permanecer fechados em seu domínio e sim buscando compreender de que legado somos herdeiros?
Partindo da reconstrução anteriormente referida com relação à ciência moderna, percebe-se claramente que esta carregava a bandeira de possuir um conhecimento acabado e definitivo do mundo. Esse cenário pode ser desenhado pela obsessão de Galileu de traduzir o mundo sob a linguagem da matemática. A ciência, nesse sentido, representaria um saber que estaria isento à marca da temporalidade: o conhecimento pretendia-se válido para todos os tempos. Perguntamos nós: e qual o status da educação da época frente a esse cenário? A fim de melhor compreender essa questão podemos nos servir do filósofo alemão Schnädelbach quando este afirma: “para responder a essa pergunta é necessário remontar-se à função do ensinamento na Universidade na Idade Moderna e na época do absolutismo. Em ambos os casos se tratava de transmitir um corpo estático de conhecimentos, conservados nas obras de reconhecidas autoridades. Longe de representar um mérito, a criatividade se considerava indesejável no professor. E isso porque, conforme a mentalidade da época, a verdade é algo já estabelecido e aceito por todos; para adquiri-la basta apreendê-la”. Vê-se, portanto, que a educação da época está perfeitamente inserida no quadro acabado traçado pelo compasso da ciência moderna.
Todavia, este modelo de ciência começa, pouco a pouco, a desvanecer-se sob várias formas. Um exemplo emblemático do desmoronamento desta visão no domínio da ciência é o abalo de estrutura ocasionado pela descoberta de que o Geocentrismo – modelo de movimentação dos astros defendido desde a Antigüidade Clássica – não pode mais ser sustentado. O Heliocentrismo não somente surge como um novo modelo como também rompe com a estrutura ptolomaico-aristotélica do universo, secularizada por muito tempo. Citamos este exemplo pois o modelo geocêntrico do universo era considerado a “menina dos olhos” da ciência por permanecer praticamente inquestionável por quase dois mil anos. Portanto, as conseqüências de tal transformação não somente puseram em questão o movimento dos astros como também e, sobretudo, foram funestas para o próprio status da ciência da época. A própria ciência, repentinamente, descobre-se inacabada, temporal e passível de aperfeiçoamento.
No domínio da historiografia, esta mudança de paradigma pode ser observada no pensamento do filósofo-historiador Johan Gustav Dróysen quando este afirma que, na história, somente há uma coisa de estável: o fato de que tudo flui, tudo muda e que, portanto, um fato histórico somente tem significado quando for analisado dentro de um certo contexto cronológico determinado; não há uma mesma significação válida para todos os tempos. Por conseguinte, faz-se necessária a atividade hermenêutica de constante interpretação das fontes (textos) para (re)significar os fatos históricos que nunca podem ser dados como acabados. Nesse contexto, a própria reinterpretação da Bíblia, proposta Lutero, se insere no âmbito da origem da discussão hermenêutica. No cinema contemporâneo, o reflexo desta mudança pode ser visualizado na aceitação (outrora inimaginável) dos críticos de cinema para com os filmes de final aberto, possibilitando uma significação ao sabor do espectador. Já, no domínio da filosofia, a ênfase ao sujeito do conhecimento (que em outros tempos pertencera ao objeto do conhecimento) coloca em questão a possibilidade de alcançarmos a objetividade dado que apenas observamos o mundo de um modo subjetivo, a partir de nossas lentes e não como ele é em si mesmo. A idéia de uma filosofia em construção também é defendida por Kant quando este afirma que “não se ensina filosofia e sim a filosofar”.
Imersa neste novo cenário, a educação contemporânea muito bem poderia ser enunciada pela suave (mas implacável) voz do poeta: “quando pensamos que temos dado todas as respostas à vida, vem a natureza e nos modifica as perguntas”. Ora, ao proferir tais palavras não estaria o poeta a nos sussurrar que o princípio da nova educação tem sua morada no abrigo da pesquisa? Com o advento das novas tecnologias, de “verdades” sempre novas, de “lentes” constantemente diferentes para visualizar um mundo sempre e cada vez novo, somos como que arrebatados por essas violentas “águas” da mudança às quais nos apresentam um assustador desafio: ou seguimos o seu ritmo e curso ou seremos “arrastados” por elas.


[1] Professor, mestre em Filosofia pela UFSM – Universidade Federal de Santa Maria.

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